Escutar para compreender

19 de setembro de 2013

Reportagem: Marcia Bindo – Edição: Amanda Zacarkim em Vida Simples – 26/06/2007

Ao escutar as histórias dos outros aprendemos a nos reconhecer como iguais e a nos compreender melhor

Paul Thompson é especialista na arte de escutar – mais especificamente escutar para compreender o outro. Ele é professor de história oral na Universidade de Essex, na Inglaterra, e ensina com a experiência de quem pesquisa o tema há mais de 20 anos. Fundou e dirige o Arquivo Nacional de História de Vida da Biblioteca Britânica e é consultor da BBC, em Londres. A paixão pela história oral surgiu quando Thompson resolveu escrever um livro sobre a história social da Inglaterra no início do século 20 – e percebeu a importância de entrevistar os sobreviventes da época. “Descobri histórias incríveis, que não estariam disponíveis nos arquivos ou em outras fontes convencionais que os historiadores costumam utilizar”, diz. “Então, no final dos anos 70, eu comecei a me envolver num movimento bem amplo de resgate da história oral”. Mais tarde, o pesquisador viria a fundar e dirigir a Oral History Society e o Oral History Journal. Escreveu cerca de 20 livros sobre o assunto – entre eles As Vozes do Passado, traduzido para mais de 20 idiomas e editado no Brasil pela Paz e Terra. Confira a entrevista com o especialista.

Qual a diferença entre contar e escrever histórias?
Acredito que mais indivíduos são capazes de falar sobre seu passado do que de escrever sobre ele. Geralmente, há muitas pessoas que não participam da história escrita. Pessoas mais pobres, analfabetos, mulheres (que, do ponto de vista histórico, são um grupo menos representativo que o dos homens), negros (vale a mesma comparação com os brancos) e assim por diante. Existem vários grupos que acabam sendo excluídos das formas convencionais de arquivar a história e as histórias. Outro fator importante é que há muitos assuntos sobre os quais as pessoas não escreveriam, mas falariam – como, por exemplo, o relacionamento com sua família. Eu diria também que as habilidades necessárias para escrever e falar são muito diferentes. E isso se traduz em materiais bem diversos. Se você está contando sua história, não utiliza apenas palavras, usa também linguagem corporal e expressão facial – e o faz com um estilo diferente: hesita, repete as palavras, os fatos, as coisas…

Ao falar, expressamos mais sentimentos que ao escrever?
Sim. Você demonstra muito mais seus sentimentos. Quando você escreve, o resultado é mais fechado, porque o texto precisa ser revisado. A narrativa escrita, na maioria das vezes, é linear, não fica dando voltas no assunto. Por isso, tem mais lógica do que sentimentos. Na verdade, acredito que as duas formas são complementares.

Escutar histórias ajuda a nos compreendermos melhor?
Posso dizer que, ouvindo as pessoas contarem histórias, aprendi muito mais sobre mim – e acho que isso acontece com todos. Vou dar um exemplo pessoal. Compreendi coisas importantes sobre as diferentes formas de criar filhos e ser pai nas entrevistas sobre aspectos históricos que fiz com outras pessoas. Acredito sinceramente que podemos perceber, quando escutamos histórias, um sentimento humano e coletivo nas pessoas, como a habilidade de amar e ajudar uns aos outros. Há muitos grupos se esforçando por uma vida melhor e você não vê isso normalmente, só de olhar para as pessoas nas ruas. É preciso falar com elas e interagir para entendê-las.

Os pais devem contar histórias para seus filhos?
Claro. Todas as pessoas da minha equipe têm filhos e contam histórias de família para eles. Eu acho que essas histórias são extremamente importantes, pois ajudam a criança a entender de onde veio. Quando penso na minha história, consigo ver muito de mim em meus pais e avós e acho isso tranqüilizador e fascinante. Meus filhos gostam de ouvir as histórias que conto sobre seus ancestrais. Acho que é uma causa de muita angústia não saber quem somos ou de onde viemos.

Por que precisamos conhecer nossas origens?
Existe uma grande necessidade psicológica de conhecer nossas raízes, ou seja, significa saber não só quem foram nossos ancestrais, mas também quem são as pessoas de nossa comunidade e com quem trabalhamos. Quando fui para a Rússia, há uns dez anos, entrevistamos várias pessoas e uma coisa que me marcou foi a quantidade de segredos que elas guardavam. As pessoas não falavam sobre seu passado, era um tema tabu. Acho que era perigoso porque os ancestrais deles talvez tivessem lutado contra o comunismo ou ido para a prisão. O resultado é que a geração mais velha não sabia nada sobre seus pais. Mas as pessoas mais novas foram descobrindo coisas e montando o quebra-cabeças. Havia uma necessidade de reorganizar essas histórias, porque isso é parte da natureza das relações humanas.

Contar histórias é uma arte?
Há duas formas de contar histórias. Na sincera, você transmite os fatos de maneira honesta – e aí um bom exercício é refletir enquanto faz o relato, pois você pode chegar a conclusões interessantes sozinho. A outra forma só está acessível a quem tem o dom do contador de histórias. Essas pessoas tendem a enfeitar as histórias e elas se tornam semifictícias, mas muito divertidas e, em muitos casos, até mais interessantes.

O que é preciso para se tornar um bom contador de histórias?
O primeiro passo é aprender a ouvir as histórias dos outros. E para isso precisamos nos aperfeiçoar na arte de ficar em silêncio e realmente nos concentrar no que está sendo relatado. Você precisa ouvir com bastante atenção e só falar quando o outro tiver terminado. Ouvir é uma habilidade maravilhosa. Posso garantir que a imensa maioria das pessoas tem algo interessante para contar. E aprender a escutar enriquece muito nossa vida. Ora, talvez seja por isso que Deus fez o ser humano com dois ouvidos e apenas uma boca.